Caso 5: Curiosidade científica

Professor: Maria Cristina Fachin Liberalesso
Quem é o professor: Formada em pedagogia, com pós-graduação em gestão escolar, leciona há 21 anos na rede municipal e ficou na escola em que aplicou o projeto de 2014 a 2016. Foi a vencedora do Rio Grande do Sul, na etapa dos anos iniciais do ensino fundamental (4º e 5º ano), na 10ª edição do Prêmio Professores do Brasil.

Escola: EMEF São Thomaz de Aquino
Municipio: Pinhal Grande
UF: Rio Grande do Sul
Etapa de ensino: Ensino Fundamental – Anos Iniciais

Ano: 2016
Área de conhecimento: Ciências da Natureza
Componente curricular: Ciências

Curiosidade Científica

Professora usa alvoroço em torno de uma infestação de insetos no banheiro de escola do interior gaúcho para ensinar os estudantes a pesquisarem na internet de maneira crítica e criteriosa

No início do ano letivo de 2016, uma aluna do 4º ano pediu para ir ao banheiro e, instantes depois, voltou à sala relatando que não pudera usá-lo em razão de uma colônia de insetos espalhada por todas as partes do local. A aula foi interrompida. Professora e estudantes se dirigiram para ver a miríade e, diante da cena, os questionamentos foram imediatos: “são borboletas ou mariposas?”, “são venenosas?”, “pode tocar neles?” “por que são coloridos?”

Maria Cristina Fachin Liberalesso, a professora da turma, enxergou na curiosidade das crianças uma oportunidade pedagógica. Pediu para a servente da escola não limpar o banheiro de imediato para poder recolher parte dos insetos, levá-los à sala de aula e iniciar uma jornada científica que mudaria os rumos do ano letivo daqueles estudantes.

“Fomos para sala de aula e listei no quadro as perguntas deles para um diagnóstico. Queriam saber por que estavam no banheiro, de onde vieram e como era a vida daqueles bichos. Disse que eu não daria as respostas, e que eles teriam que responder”, lembra a professora, de 43 anos, que leciona há duas décadas na rede municipal de Pinhal Grande, no interior gaúcho.

Após listar as perguntas, a professora elaborou hipóteses com os estudantes e passou a trabalhar naquilo que seria o projeto “Pequeno Cientista”, encaminhando a turma de 12 alunos para pesquisas no laboratório de internet da escola com o objetivo de usar os recursos tecnológicos para produzir conhecimentos sobre os lepidópteros, nome científico da ordem dos insetos encontrados, e responder às hipóteses levantadas.

“Acharam muita informação sobre lepidópteros. Pedi que confrontassem informações, pesquisassem em outros sites e, quando houvesse informações contraditórias, eu falava para pesquisar mais. Orientei e proporcionei caminhos, mas deixei que refletissem”, afirma Maria Cristina.

As informações contraditórias encontradas sobre a duração do ciclo de vida de uma lagarta até a metamorfose da borboleta, por exemplo, aguçaram a curiosidade dos alunos. “Era como se fosse um jogo de perguntas e respostas”, compara a professora, que tem fobia de lagarta e teve que superá-la para não prejudicar algumas das observações feitas em sala de aula.

Os estudantes começaram a procurar por borboletas, mariposas e lagartas para levar à escola. Alguns dos insetos entregues por eles e aqueles recolhidos no dia da infestação no banheiro foram identificados com nome científico, com a ajuda da pesquisa na internet, fotografados e dispostos em uma mesa no fundo da classe.

Em dois momentos durante a prática, a professora orientou seminários nos quais os próprios alunos organizaram o resultado do trabalho de investigação sobre a temática para apresentar à turma, individualmente. O projeto, que durou de março a julho de 2016, contribuiu para desenvolver a autonomia dos estudantes, além de incentivar o raciocínio lógico e o pensamento crítico, dentro e fora do ambiente digital.

A inspiração declarada de Maria Cristina para desenvolvê-lo foi o educador espanhol Fernando Hernández, que propõe reorganizar o currículo por projetos com o objetivo de tornar o professor um pesquisador e o aluno, sujeito do processo de aprendizagem. “Li um livro do Fernando Hernández sobre uma experiência de metodologia de projetos desenvolvida em uma escola de Barcelona e pensei que era possível fazer algo nessa linha”, afirma a professora.

As atividades foram essencialmente interdisciplinares. Os alunos fizeram visitas ao redor da escola para explorar vegetação e relevo e, em outro momento, ingressaram em uma experiência que pretendia reproduzir as condições que determinaram a infestação. Neste trabalho, a escola deixou a luz acesa do banheiro durante cinco noites não consecutivas para que fossem feitas observações no dia seguinte. Os estudantes anotavam a data, as condições climáticas e o número de bichos atraídos para comparar com o dia do evento.

No início, a hipótese principal da infestação era de que os insetos tinham entrado pela janela atraídos pela luz das lâmpadas do banheiro, o que não foi comprovado. A prática indicou que havia outros fatores que influenciadores. “Em dias úmidos e chuvosos, os bichos não apareciam (mesmo com a luz acesa). Só vinham quando o tempo estava seco e quente”, relata Maria Cristina. “Eles fizeram constatação matemática, baseada em informações coletadas e processadas por eles”, afirma.

Ao final do projeto, os estudantes foram avaliados por meio de uma redação na qual descreviam a experiência que tiveram com a jornada científica. Na correção dos textos, apareceu a possibilidade de a professora trabalhar a história de que mariposas pretas levam má sorte às pessoas, colocada por um aluno da sala. “Ele tinha ouvido isso da mãe dele. Pesquisamos e chegamos à conclusão que era uma lenda. Expliquei a eles o que era uma lenda”, conta Maria Cristina, que se sentiu orgulhosa ao ouvir de uma estudante que era preciso “respeitar se as pessoas acreditam” após conduzir a conversa sob a perspectiva da valorização da diversidade dos indivíduos.

O projeto resultou um livro de cerca de 100 páginas com a reunião do material pesquisado pela turma. A professora mostrou aos alunos como montar um trabalho de pesquisa, com noções sobre metodologia do trabalho científico.

“Ao longo da prática, falei que não se podia chegar a uma conclusão com apenas uma informação e, mesmo quando se faz um teste e se chega a uma conclusão, tem que comprovar, fazer de novo. Falava que éramos cientistas iniciantes. Isso estimulou muito as crianças, que não queriam terminar o projeto”, relata Maria Cristina.

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