Caso 13: Meu espelho negro

Professor: Cristiane Santos de Melo
Quem é o professor: Formada em pedagogia, com pós-graduação em psicomotricidade e em consciência e educação, leciona na rede municipal e na escola há 5 anos. Foi vencedora da Bahia e da região Nordeste, na etapa creche, na 9ª edição do Prêmio Professores do Brasil.

Escola: Centro Municipal de Educação Infantil Dr. Djalma Ramos
Municipio:  Lauro de Freitas
UF: Bahia
Etapa de ensino: Educação Infantil – Creche

Ano: 2015
Área de conhecimento:
Componente curricular:

Meu Espelho Negro

Em Lauro de Freitas (BA), professora usa cantora baiana como mote para despertar em crianças de creche e nas mães delas questões ligadas à representatividade e ao empoderamento da mulher negra

Desde 2014, o Centro de Educação Infantil Dr. Djalma Ramos, em Lauro de Freitas (BA), tem destacado no projeto pedagógico da escola uma pessoa de atuação social notável para ser referência aos trabalhos desenvolvidos com as crianças.

Quando a cantora baiana Mariene de Castro foi a escolhida para permear as atividades em sala de aula, no ano letivo de 2015, a professora Cristiane Santos de Melo, de 32 anos, resolveu elaborar um projeto para valorizar as raízes africanas do povo baiano e empoderar as mulheres da comunidade escolar. “Mariene: A flor que desabrochou nossa gente” trabalhou questões relacionadas à representatividade de mulheres e crianças negras e aproximou da creche mães e avós dos estudantes.

“As crianças negras têm poucos referenciais negros e não se veem muito nos referenciais que a mídia costuma veicular”, afirma a professora, que lecionava para uma turma na faixa etária de 3 a 4 anos.

Na primeira atividade, Cristiane conta que, ao pendurar cartazes e fotos de Mariene e de outras mulheres negras pela sala, ouviu de uma aluna: “‘pro’, ela é feia. Por que o cabelo dela é assim?” O tipo físico considerado “bonito” pela criança era mais próximo ao da mulher branca de cabelo liso do que da mulher negra de cabelo crespo.

“A gente via as mães com autoestima baixa e queria trabalhar o empoderamento delas. Uma das principais respostas ao trabalho foi ver depois que crianças, e adultos também, passaram a se reconhecer, se perceber e se achar importantes como negros”, relata Cristiane.

Ao levar o tema do projeto para os pais, a professora ouviu da mãe de uma estudante detalhes do trabalho das Ganhadeiras de Itapuã, grupo de cantigas e sambas de roda formado por senhoras negras. Cristiane então selecionou a música Garaximbola, parceria de Mariene com as Ganhadeiras, para trabalhar com as crianças, mostrou fotos, contou a história delas e promoveu uma visita da turma ao espaço musical em que o grupo fazia apresentações. Três mães acompanharam a atividade externa.

“A gente não mensurava o quanto seria especial para as crianças terem contato com as pessoas que elas estavam estudando. Interagiram, começaram a cantar as músicas e o que mais surpreendeu foi ver as mais tímidas se soltando, cantando no colo da ganhadeira. As mães vieram me agradecer dizendo que também estavam felizes de conhecer as ganhadeiras, a cultura africana, o samba”, lembra Cristiane.

Assim como na sugestão sobre as Ganhadeiras, que ampliou o horizonte para as atividades da turma, a colaboração das mães no projeto foi decisiva para efetivar a aproximação das famílias com a escola. Ao entenderem a prática pedagógica, elas passaram a valorizar mais o aprendizado dos filhos e a enriquecê-lo também.

“A maioria das crianças negras vivia com mães que queriam se parecer com pessoas diferentes delas. As crianças reproduziam o que viam em casa…”, diz Cristiane. “Ao longo deste trabalho, começamos a conhecer mães e também professoras que pararam de alisar o cabelo, naturalmente. Nada imposto”, conta.

Durante os quatro meses de projeto, foram desenvolvidas oficinas voltadas à valorização da beleza negra das crianças e das mães. Em uma delas, os estudantes se embelezavam livremente com acessórios à disposição deles e desfilavam ao som de músicas infantis. Em outra, as mães participaram de uma oficina de turbantes, na qual interagiram com os filhos e os acessórios típicos da indumentária de grupos afro.

No fechamento do projeto, as Ganhadeiras de Itapuã visitaram a escola, ocasião em que crianças de todas as turmas dançaram e apresentaram um número às famílias.

“Em uma das últimas atividades, falei para as crianças olharem no espelho e desenharem com quem elas se pareciam. Elas passaram a se sentir parecidas com as personalidades com as quais a gente trabalhou, com Mariene, com as ganhadeiras ou com a mãe delas…”, afirma Cristiane.

A professora relata que o trabalho com questões da representatividade e da identidade racial surtiu efeito também nos próprios profissionais da escola. “Eu, quando era pequena, alisava meu cabelo. Hoje não aliso mais, mas parei de usar química ao longo deste projeto. Esse trabalho ajuda a comunidade como também nos ajuda”, revela.

A foto atual de abertura da página da escola em uma rede social pode resumir os frutos do projeto. A imagem reúne sete funcionárias e duas crianças negras, todas sorridentes e de cabelos assumidamente crespos. Três delas empunham balõezinhos com frases afirmativas da negritude. “Crespo é belo, sim”, exclama uma delas.

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