Professor: Paulo Augusto Nedel
Quem é o professor: Formado em letras, com mestrado em literatura portuguesa, brasileira e luso-africana, leciona há 15 anos na rede municipal e na escola. Foi o vencedor do Rio Grande do Sul, na etapa dos anos finais do ensino fundamental (6º a 9º anos), na 10ª edição do Prêmio Professores do Brasil.
Escola: Emef Presidente Getúlio Vargas
Municipio: Viamão
UF: Rio Grande do Sul
Etapa de ensino: Ensino Fundamental – Anos Finais
Ano: 2015
Área de conhecimento: Linguagens
Componente curricular: Arte
Esta escola lhes pertence
A partir de interesse dos estudantes por reproduzir obras de arte no contraturno, professor cria ateliê de pintura, espalha produção pelos corredores e fortalece laços de pertencimento com a comunidade escolar
Em 2012, quando respondia por um projeto no contraturno escolar com atividades complementares à grade curricular, o professor Paulo Augusto Nedel, de 41 anos, começou a conversar com um estudante do 9º ano sobre uma imagem de Guernica, a obra-prima de Pablo Picasso, que ele havia lhe indicado em um livro de história.
Paulo contextualizou, começou a explicar as representações da obra cubista e, diante da curiosidade juvenil aflorada, deu força à ideia de reproduzi-la em um compensado de 1,10m por 2,50m que estava sobrando no colégio. Deu tratamento à madeira laminada, pintando-a de branco, projetou nela a imagem para o contorno das formas e o aluno começou a pintar a reprodução de Guernica no período oposto ao das aulas.
A atividade, em princípio isolada, foi a semente para o “Ateliê do GV”, implantado na escola municipal Presidente Getúlio Vargas, em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre (RS). Formalizado em 2015, após um interesse crescente dos estudantes pelas tarefas artísticas, o projeto valorizou e deu fruição às atividades desempenhadas no contraturno, o que estimulou a apreciação estética dos alunos, ampliou o conhecimento deles sobre a história da arte e tornou mais rico o espaço escolar.
“Um outro aluno veio conversar sobre o Guernica e o Mar da Polinésia, do Matisse… Convidou dois amigos para fazer junto e depois fez sozinho os croquis de Brasília do Niemeyer. À medida que foram ficando prontas, outros quiseram fazer também. Pensei que estávamos com um projeto legal”, conta Paulo. “Em 2015, formalizou, porque aí começou a aumentar o número de estudantes querendo participar”, relata.
Para viabilizá-lo, o professor usou tinta têmpera guache, já usada nas atividades escolares, e reaproveitou materiais para que servissem de telas. “A intenção foi desenvolver um projeto que pudesse ser feito por qualquer escola, com o material mais simples possível. Toda escola tem compensado e tinta têmpera (guache)”, diz Paulo, que destaca a orientação expressa para trabalhar com reutilização de materiais e reciclagem. “Em um primeiro momento, pegamos tábuas que tinham sobrado de uma obra, mas já usei um armário de cozinha descartado pelo meu sogro, recolhi com a professora de matemática materiais para que fossem usados no ateliê e os estudantes também já trouxeram tábua que sobrou na casa deles”, lembra.
O professor estruturou o projeto como vice-diretor da escola, dividindo-se entre o trabalho no ateliê e as funções no cargo de gestão. Durante a prática, orientou pesquisas na internet, aproximou-os de coleções de museus, trabalhou a biografia de artistas de diferentes épocas e lugares e trocou experiências sobre produção regional e arte naif, feita por quem não tem formação culta no campo artístico.
Após o aluno escolher a pintura que vai fazer, Paulo orienta sobre o processo de reprodução da imagem, como a mistura de cores e a maneira de pintar. O tempo para a realização varia de acordo com a complexidade do quadro e os estudantes, em geral, fazem duas assinaturas nos trabalhos, a dos autores dos originais e as deles.
“Quando o quadro está incompleto, inicialmente, fica feio. A tinta não penetra e fica meio ruim. Quando acabam a primeira mão, o quadro está feio ainda. Trabalho com eles isso antes. Lembro que é um processo”, relata Paulo. “Não tenho formação em artes, mas sempre gostei. Lia, estudava, ia muito a museu, exposição… Fiz uma enorme seleção de artistas famosos e baixei pinturas no computador da escola”, diz.
Quando o projeto já estava consolidado e a escola foi reformada e repintada em 2016, era o momento de distribuir os quadros dos alunos pelas paredes. Os trabalhos estão organizados para que se relacionem com o ambiente das aulas ou dialoguem entre si. Perto da sala de geografia e história, por exemplo, há reproduções com referências ao mapa-múndi, à cultura do Egito Antigo e à Guerra de Canudos.
Ao ganharem outro colorido e uma ambientação assinada por estudantes, os “corredores artísticos” fortaleceram o respeito pelo espaço escolar e os laços com a comunidade. Deixar uma “marca” naquelas paredes que estavam sendo ressignificadas com a prática do ateliê passou a ser um desejo de muitos guris.
“Friso muito essa questão de pertencimento. Já levei os quadros a exposições fora da escola, os alunos vão comigo, e as pessoas perguntam se estão à venda. Imagine um menino de 12 anos ouvindo isso se ele não se empolga… Digo sempre que aqueles quadros pertencem à escola”, diz Paulo. “O aluno para (em frente ao quadro) e diz ‘esse aqui é meu irmão’, ‘esse é meu amigo’. Há muito cuidado com os quadros. Dentro da escola, não há sinal de vandalismo”, afirma.
A participação no ateliê é voluntária e não “vale nota”. O estudante precisa demonstrar interesse prévio e dar ciência aos pais. O projeto, que inicialmente atendia só aos anos finais do ensino fundamental, foi ampliado para quem está matriculado no 5º ano, o último do ciclo inicial. “É bom porque eles começam a interagir com alunos mais velhos com os quais em breve estarão juntos, no mesmo nível deles”, diz Paulo.
Com o sucesso do projeto, o estoque de tinta e pincéis foi reforçado para suprir a necessidade do ateliê, que, em crescimento contínuo, havia atingido no início de 2018 a marca de 110 reproduções. Em 2016, ano de maior produção, foram 41 quadros. Os trabalhos são expostos formalmente à comunidade escolar três vezes por ano, durante eventos promovidos pela escola, considerada polo de arte na rede municipal.
Para Paulo, a prática também tem desenvolvido a autonomia dos estudantes. Quem participa do ateliê é levado a fazer a autogestão do próprio trabalho, sob supervisão do professor. “Tem que cuidar do material, que é um patrimônio público. É ensinado a valorizar isso. Faz parte da educação valorizar do pincel ao projetor. Explico como liga o projetor e o computador. Depois, são eles que fazem. Toda responsabilidade é minha, mas tenho que ter confiança no aluno”, diz Paulo. “Não fico o tempo inteiro com eles, é uma coisa toda autônoma a partir de um determinado momento. Tem que ter isso (autonomia). Esse quadro é deles. O projeto é deles.”